Um dia, Deus chamou Noé da Silva e disse-lhe:
- Dentro de seis meses, farei chover ininterruptamente durante 40 dias e 40 noites, até que todo o Portugal seja coberto pelas águas. Os maus serão destruídos, mas quero salvar os justos e um casal de cada espécie animal.Vai e constrói uma arca de madeira.
No tempo certo, os trovões deram o aviso e os relâmpagos cruzaram céu. Noé da Silva chorava, ajoelhado no quintal de sua casa, quando ouviu a voz do Senhor soar, furiosa, entre as nuvens:
- Onde está a arca, Noé?
- Perdoe-me, Senhor - suplicou o homem. - Fiz o que pude, mas encontrei dificuldades imensas. Primeiro tentei obter uma licença da Câmara Municipal, mas para isto, além das altas taxas para obter o alvará, pediram-me ainda uma contribuição para a campanha da reeleição do Presidente da Câmara. Como precisava de dinheiro, fui aos bancos e não consegui empréstimos, mesmo
aceitando aquelas taxas de juros. Afinal, nem teriam mesmo como me cobrar depois do dilúvio. Depois veio o Corpo de Bombeiros e exigiu um sistema de prevenção de incêndios e alguma ajuda para a compra de uns Helicópteros, mas consegui contornar, subornando um funcionário. Começaram então os problemas com a extracção da madeira, nas áreas ardidas. Eu disse que eram ordens "Suas" mas eles só queriam saber se eu tinha "projecto de reflorestamento" e um tal de "plano de manejo". Neste meio tempo, a Quercus, descobriu também uns casais de animais guardados no meu quintal. Além da pesada multa, o fiscal falou em"prisão inafiançável" e acabei por ter que matar o fiscal, pois para este crime a lei é mais branda. Quando resolvi começar a obra, apareceu a Fiscalização que me multou porque eu não tinha um engenheiro naval responsável pela construção. Depois, apareceu o Sindicato exigindo que eu contratasse os seus marceneiros que ficaram desempregados com este Governo e com garantia de emprego por um ano. Veio em seguida as Finanças, acusando-me de "sinais exteriores de riqueza" e também me multou.
«Finalmente, quando a Secretaria de Meio Ambiente pediu o "Relatório de Impacto Ambiental" sobre a zona a ser inundada, mostrei o mapa de Portugal. Aí quiseram internar-me num hospital psiquiátrico!"»
Noé da Silva terminou o relato chorando mas notou que o céu clareava.
- Senhor, então não vais destruir Portugal?
- Não! - respondeu a voz entre as nuvens - Pelo que ouvi de ti alguém já se encarregou de fazer isso!"
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